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  • Eduardo Kessedjian e Julián Goldfarb

    Sintonizadores de Silêncio, de Eduardo Kessedjian e Julián Goldfarb (Brasil), é uma proposta para a construção de radares acústicos analógicos com dois objetivos: por um lado, criar dispositivos analógicos para aumentar a capacidade de escuta amplificando os sons do entorno; por outro lado, construir artefatos escultóricos, um fixo, outro móvel. O primeiro concentrará a ideia de monumento, o segundo a ideia de procissão ritual. Valorizou-se a singular assemblage de túmulo, de objeto obsoleto, de mecanismo amplificador de sons que emergem da paisagem e a cerimônia instituinte do dispositivo.

    Texto Júri #labRes2016_1

    Edu Marin é artista plástico, formado na ECA- USP expos e tem trabalhos em diversas coleções como a do MAC-USP e Casa da Imagem.
    Felipe Julian, músico, produtor musical e artista visual. Graduado em música pela Santa Marcelina de SP, trabalha com instalações sonoras, trilhas e vídeo mapping.

     

    Comentários de Juliana Gontijo crítica seleccionada #labRes2016_1.

    No fluxo mutável da imensidão que nos rodeia, máquinas de todo tipo povoam e alteram o espaço num agenciamento híbrido que oscila entre natural e artificial, realidade e ficção, forma-código e experiência direta. Nesses territórios ciborgues nascentes e profusos, Edu Marin e Felipe Julian colaboram com uma série de instrumentos analógicos de amplificação sonora, cuja funcionalidade absurda evoca uma ficção científica vintage DIY, com uma forma que se baseia nas estruturas acústicas pré-radares usadas na 1ª grande guerra que permitiam a escuta antecipada de aviões de bombardeio.

    No alto do morro, detrás da casa de fazenda, uma estranha estrutura cuneiforme se abre à vastidão da paisagem para sintonizar um hipotético silêncio, porém se frustra ao poder receber -e também emitir- um universo de possibilidades de sons. John Cage, em sua peça 4’33”, demonstrou irrefutavelmente que o vazio -sonoro ou espacial- não existe; é apenas uma questão de escalas de intensidade. O silêncio é, portanto, o campo de possibilidades em que sons não intencionais e aleatórios emergem no espaço do tempo, sem medo de sua efemeridade1.

    “No silêncio nunca há silêncio”, diz Guimarães Rosa, já que ele é povoado de sinais: “há um silêncio, mas que muitos roem, ele se desgasta pelas beiras, como laje de gelo. (…) Se o senhor quiser ouvir só o vento, só o vento, ouve. Cada um escuta separado o que quer”2. O silêncio, essa abstração teórica, se dá aqui no âmbito dos acontecimentos: o silêncio é uma espera indefinida, um eterno presente no qual os sons irrompem sem previsão. É também a experiência incomunicável, a neblina daquele outro que não consegue se decifrar e que compõe os territórios: o silêncio ensurdecedor da existência.

    Essa máquina de silêncios frustrados -que também possui sua versão móvel em forma de carrinho de sorveteiro equipado de cones e tubos- ressalta pontos de fuga sonoros para, artificialmente, conformar uma paisagem. Como esses pontos de fuga sonoros tampouco são convertidos e gravados de modo a estabilizar a informação, a paisagem se torna performance, ou seja, puro acontecimento. Configuram-se, consequentemente, como focos de tensão dentro da técnica de ordenamento do entorno que constitui nossa experiência da paisagem: escuta-se o que não se vê, mas que se sabe estar lá, fundido ao caos das coisas.

    1 “Nenhum som teme o silêncio que o extingue” (J. Cage apud J. M. Wisnik. Em “O Som e o Sentido”. São Paulo: Companhia das Letras, 2001).
    2 Rosa, Guimarães. “Buriti”, em Noites do Sertão. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 2013, p. 143